Descolamento de retina é emergência médica que requer tratamento especializado

Mar 19

Na região posterior do globo ocular, no fundo do olho, encontra-se a retina neurossensorial — membrana fina, flexível, delicada e sensível à luz que concentra os fotorreceptores, principais células a receberem o estímulo luminoso que será transmitido, através do nervo óptico, ao nosso Sistema Nervoso Central, permitindo a formação das imagens.

Essa região pode ser alvo de uma das principais doenças causadoras de cegueira: o descolamento (ou desprendimento) de retina. Trata-se de uma alteração, que se caracteriza pela separação da retina da camada de vasos sanguíneos, superfície responsável pelo fornecimento de oxigênio e nutrientes aos fotorreceptores. Essa separação interrompe o fornecimento de nutrientes e promove a degeneração celular. Ocorre pela presença de líquido entre essas camadas, no chamado espaço subrretiniano. Manifesta-se como um defeito de campo visual parcial ou total, percebido como uma “cortina escura” por parte do paciente. Configura-se como uma urgência oftalmológica, devendo ser prontamente identificado e tratado pelo médico oftalmologista. E se não for tratado adequadamente e com a presteza necessária, pode vir a evoluir para a perda total da visão.

Para o entendimento da doença, é necessária uma compreensão simples da anatomia do olho humano.  A retina não possui nenhum elemento de fixação especial que a prenda ao globo ocular.  No entanto, a estrutura interna do globo ocular é preenchida por uma substância de consistência gelatinosa denominada vítreo, que se adere à nossa retina e a mantém na posição anatomicamente adequada. Ou seja, em contato com outras estruturas que possam lhe garantir suporte e nutrição.

Com o passar dos anos, o vítreo sofre um processo degenerativo, tornando-se mais liquefeito, com condensação das suas fibras. Como resultado, temos uma contração vítrea e sua separação da superfície interna da retina, evento conhecido como descolamento do vítreo posterior (DVP).

Ele pode resultar em sintomas agudos, como percepção de pontos escuros no campo visual (“moscas volantes”) ou opacidades móveis de tamanhos e formatos variados (linhas, teias, nuvem etc). Um quadro, em geral, benigno e resultado da modificação bioquímica do gel vítreo consequente ao envelhecimento. Entretanto, especialmente na presença de fatores de riscos, como trauma ocular, cirurgia oftalmológica, inflamações oculares ou alta miopia, o DVP pode ser evento chave que leva ao descolamento da retina. A presença de áreas de fragilidade retiniana ou de maior adesão vitreorretiniana, nesses casos, pode resultar na abertura de uma rotura — um "rasgo" na retina. Nesse momento, os sintomas do DVP podem ser acompanhados pela percepção de flashes luminosos ou raios de luz. A consequência da infiltração vítrea no espaço subrretiniano, através de uma rotura, é o descolamento da retina chamado de Regmatogênico — principal dentre os mecanismos de descolamento.

53 deslocamento 1Outros mecanismos incluem o descolamento tracional, quando a retina é afastada da camada dos vasos sanguíneos por membranas contráteis. As principais causas são doenças que levam às proliferações vasculares, como o Diabetes Mellitus e Tromboses retinianas, chamadas oclusões vasculares. Acompanhamento clínico adequado para controle da glicemia, pressão arterial e tratamento de coagulopatias faz-se necessário para a prevenção desse desfecho. Já o descolamento exsudativo ou seroso é aquele em que o líquido acumula-se no espaço subrretiniano devido dano ou inflamação na camada abaixo da retina sensorial, sendo o tratamento da causa inflamatória essencial para sua resolução.

Fatores de risco 

Embora sejam mais frequentes após os 40 anos de idade, os descolamentos de retina podem ocorrer em qualquer fase da vida. Os principais fatores de risco para a enfermidade são: alto grau de miopia, cirurgia anterior de catarata, glaucoma, trauma nos olhos, na face ou na cabeça, diabetes descompensado, tumores, processos inflamatórios, história familiar da doença e degeneração do vítreo própria do envelhecimento.

Exames preventivos

O descolamento da retina não está associado a nenhum processo doloroso. Por isso, vale enfatizar a mensagem mais importante para o diagnóstico precoce: se houver perda de campo visual ou sugestivos de DVP, como visão turva e embaçada, “moscas volantes” (sensação de insetos voando diante dos olhos) ou flashes de luz, o paciente deverá prontamente procurar o oftalmologista para realização do exame de mapeamento de retina. O exame, realizado com instilação de colírio para a dilatação da pupila, possibilita a avaliação do fundo do olho, com capacidade de diagnosticar o DVP, áreas de fragilidade ou roturas retinianas, bem como o descolamento de retina. Nos casos em que opacidade de estruturas anteriores impedem a penetração adequada da luz para realização do exame — exemplo: cicatrizes na córnea ou cataratas mais avançadas) —, o diagnóstico poderá ser realizado pelo exame de ultrassonografia ocular.

Tratamento

A indicação do tratamento depende diretamente do tipo, gravidade e extensão do descolamento. O diagnóstico da rotura retiniana sem infiltração vítrea permite o tratamento precoce com a fotocoagulação a laser, formando uma barreira que cicatriza e é capaz de grudar a retina, impedindo a entrada do líquido vítreo no espaço subrretiniano. A criopexia (congelamento) também é utilizada nesses casos.

Casos que evoluam com descolamento de retina tracional ou regmatogênico, em que a terapia com laser não possa ser realizada, devem ser submetidos a tratamento cirúrgico de urgência. A preservação da mácula, região central da retina responsável pela visão mais refinada, é fator fundamental para a preservação da visão. Nos casos de descolamento envolvendo a mácula, o tempo decorrido desde o descolamento é importante para o prognóstico visual.

A opção da cirurgia pode ser feita por meio das seguintes técnicas:

Retinopatia pneumática – Injeção de gás na cavidade ocupada pelo vítreo, que pressiona a área descolada da retina e impede a passagem desse gel pela rasgadura formada. O gás injetado e o fluido sob a retina são, aos poucos, reabsorvidos pelo organismo;

Retinopexia – Adoção de uma faixa ou esponja de silicone ao redor do globo ocular para pressionar a esclera (o branco dos olhos), a fim de dar suporte à retina e facilitar sua aderência;

Vitreoctomia – Técnica em que, por meio de microincisões, são introduzidos instrumentos de tamanho diminuto para corrigir os defeitos que promoveram o deslocamento da retina.

Em geral, apenas uma cirurgia é necessária para reverter o descolamento de retina. Mas há algumas situações que requerem novos procedimentos ou a associação de mais de uma técnica terapêutica.

Após a intervenção cirúrgica, o paciente fica algum tempo com um curativo sobre o olho operado para deixá-lo em repouso absoluto. Também deve evitar movimentos bruscos e a prática esportiva.

Ainda assim, dependendo da gravidade e da localização do deslocamento da retina, o paciente deve ter a consciência de que a visão pode não ser totalmente recuperada.

Referências

1.    Basic and Clinical Science Course, Retina and Vitreous. American Academy of  Ophthalmology. 2020-2021.

2.     Série Oftalmologia Brasileira, Retina e vítreo. Conselho Brasileiro de Oftalmologia, 4ed, 2016-2017.

Categoria: OFTALMOLOGIA

Subcategoria: N/C

Publicado em 11/10/2023

Autor: Rodrigo Antonio Brant Fernandes - Médico oftalmologista - CRM/SP 100.599 / RQE 54579

Revisado pela Câmara Técnica de Oftalmologia

Extraído do Portal do CREMESP